Gestão por conta própria

Investidor pode cuidar sozinho de aplicações sofisticadas, mas exige tempo, conhecimento, e há custos e riscos.


 


UOL Economia – Rejane Aguiar


 


O registro de quase 3 milhões de pessoas físicas na B3 —um número que deve continuar crescendo— comprova o interesse do brasileiro pelo mercado de renda variável. Há vários caminhos para esses investidores operarem na Bolsa, e um deles é a gestão da carteira por conta própria.


 


Em vez de contratarem os serviços de consultores ou de comprarem cotas de fundos de investimento, há pessoas que preferem ser traders, como são chamados os investidores que decidem por si quais ações, como e quando comprar e vender. Os traders também se encarregam da parte burocrática dos investimentos, o que inclui a administração das despesas com as operações e o planejamento tributário.


 


Cuidar do próprio portfólio de ações pode ser uma atividade muito interessante para o investidor que tem bastante tempo, disposição, conhecimento e interesse em tudo o que cerca o universo das empresas listadas. O trabalho tende a ser muito rico em termos de atualização e compreensão da economia e do mundo corporativo, além de não ser nada monótono. Mas deve representar muito mais que um hobby: a complexidade da tarefa exige dedicação quase exclusiva.


 


Dizem os especialistas que é muito arriscado tratar a gestão da própria carteira como uma função que se soma a outras demandas do dia a dia, principalmente porque a dinâmica dos mercados é frenética, as circunstâncias mudam o tempo todo. Quem não acompanha esse vaivém pode ficar para trás —o que na Bolsa pode significar perda de patrimônio.


 


É importante que esse investidor saiba quais são seus objetivos em termos de tempo para obtenção de retorno, qual é sua disponibilidade para assumir riscos e sua tolerância a perdas. É prudente, ainda, que conheça bem os produtos que podem ajudá-lo a alcançar as metas. Carlos Castro, planejador financeiro CFP


 


Conhecimentos básicos


 


Para evitar perdas que podem colocar em risco o patrimônio, o trader individual precisa conhecer os fundamentos do mercado acionário (e também de outros mercados em que eventualmente esteja interessado), ter noções do funcionamento da Bolsa e das questões operacionais —como pagamentos de taxas de corretagem, de taxas de custódia, de emolumentos (devidos à B3) e de impostos.


 


Planejamento adequado


 


O investimento por conta própria deve ter o suporte de um orçamento pessoal bem organizado e de um planejamento de patrimônio bem estruturado. Assim, o investidor pode começar a operar com uma pequena parte do patrimônio, como uma experiência. Se for bem-sucedido, vai aos poucos incorporando volumes maiores à gestão, sempre respeitando seus limites.


 


"Vale destacar que investir não é simplesmente uma forma de ganhar dinheiro; é uma maneira de fazer crescer o patrimônio, de preservar o poder de compra", explica o planejador Carlos Castro.


 


Curto prazo ou longo prazo?


 


Contando com noções do mercado e um patrimônio bem estabelecido, o trader deve então decidir o horizonte do investimento. Com isso pode movimentar a carteira de maneira mais eficiente.


 


Por exemplo: se a ideia for ter o retorno em um futuro mais distante, melhor se concentrar nos fundamentos das empresas escolhidas, considerando detalhes de sua operação e do setor em que atuam. Se, ao contrário, a intenção for lucrar em curto prazo, valem mais os aspectos macroeconômicos, o sentimento mais imediato dos investidores em relação àquelas companhias.


 


Minoria de day traders ganha dinheiro


 


É chamado de day trader o investidor que compra e vende ações num mesmo pregão. O objetivo dessa estratégia é lucrar com o que é conhecido no mercado como arbitragem, que nada mais é que a diferença (para mais) do preço de venda de uma ação em relação a seu preço de compra.


 


O day trade pode fazer a alegria de um investidor que acerta o timing de uma operação (o momento exato de montar ou desmontar uma posição na Bolsa). Em contrapartida, pode causar perdas dolorosas caso a aposta não se concretize (a alta de um papel no dia).


 


Os pesquisadores Fernando Chage e Bruno Giovannetti, da FGV (Fundação Getulio Vargas), fizeram um estudo para verificar a eficácia dessa estratégia quando adotada por investidores individuais. Considerando os 98.378 indivíduos que começaram a fazer day trade no Brasil entre 2013 e 2016 (e que operaram até 2018), eles observaram que apenas 127 conseguiram, com essas operações, obter lucro bruto diário médio superior a R$ 100 por mais de 300 pregões.


 


Vale destacar que day trade e arbitragem são ferramentas amplamente utilizadas por grandes players, como investidores institucionais e gestores de fundos. Mas eles têm tamanho, conhecimento e escala muito maiores em comparação ao trader individual.


 


O assunto é tão relevante que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acabou de lançar um material educativo a respeito do day trade. O conteúdo é gratuito e está disponível no site do órgão, responsável pela regulação do mercado brasileiro de valores mobiliários. A CVM também montou um guia para o investidor sobre o funcionamento da Bolsa de Valores.


 


Como selecionar informações confiáveis?


 


O incalculável volume de informações sobre investimentos disponíveis na internet poderia ser uma ótima notícia para o trader individual. Afinal, contando com um sem-número de dados e análises 24 horas por dia, sete dias por semana, ele teoricamente teria condições de tomar decisões bem fundamentadas. É exatamente a oferta incessante de dados e avaliações que leva muitas pessoas a pensar em abrir mão da assessoria de investimentos ou da gestão profissional para tomar conta do próprio portfólio.


 


Mas o problema pode estar precisamente nesse ponto: diante de tanta informação, como selecionar o que realmente é verdadeiro, confiável e válido? Há muitos cantos de sereia na internet em geral e nas redes sociais em particular, com ofertas de retornos fáceis, milagrosos, "receitas de bolo" prontas para fazer crescer qualquer patrimônio. O gerente de acompanhamento de mercados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), André Luiz Passaro, alerta para a necessidade de triagem do que vem da web.


 


A decisão do investidor que cuida da própria carteira deve ser individual. Ele não deve acreditar em tudo o que se diz nas redes, não deve seguir 'gurus' de finanças da internet que sequer conhece. Se alguém afirma ganhar dinheiro todo dia nos mercados, que determinado ativo tem retorno garantido, o investidor deve desconfiar. André Luiz Passaro, gerente de acompanhamento de mercados da CVM


 


Na avaliação de Passaro, o problema não está na gestão pessoal em si: a questão está em terceirizar a decisão para amadores em vez de deixar o trabalho com profissionais devidamente regulados e fiscalizados pela CVM. O órgão tem, inclusive, uma superintendência dedicada à orientação dos investidores.


 


Gestão individual também tem custos


 


Se o investidor decide abrir mão de serviços profissionais de gestão apenas para se livrar dos custos, não é uma boa ideia. Isso porque a gestão por conta própria — para ser bem organizada e eficiente — envolve alguns gastos adicionais às taxas operacionais e impostos.


 


Como é praticamente impossível um investidor individual analisar os pormenores de toda a operação das empresas em que investe, seus resultados financeiros periódicos, seu valuation (avaliação de quanto vale uma companhia, baseada em modelos matemáticos e algumas premissas) e se o preço de mercado é justo, ele vai precisar comprar relatórios.


 


A escolha desses conteúdos, alertam Castro e Passaro, deve ser feita de maneira criteriosa. Quem os produz deve estar devidamente registrado na CVM e ter reputação idônea no mercado. "Importante também o investidor ler tanto os relatórios que indicam a compra quanto os que recomendam a venda de determinada ação. Com isso, ele evita os possíveis vieses na hora de tomar uma decisão", diz Passaro, da CVM.


 


Outro custo que eventualmente pode aparecer, a depender do grau de sofisticação do trader individual, está na assinatura de plataformas de cotações, que oferecem em tempo real preços de milhares de ações e ativos do mundo todo — e cobram altas somas por isso. Também entram na conta as assinaturas de veículos de comunicação confiáveis, para que o investidor esteja sempre bem informado sobre a macroeconomia (local e global) e os setores e empresas.


 


As normas da CVM:


 


- Analistas de valores mobiliários (Instrução 598/18)


- Consultores de valores mobiliários (Instrução 592/17)


- Corretoras (Instrução 505/11)


- Fundos de investimento (Instrução 555/14)


 


Em linhas gerais, para começar, o trader deve:


 


Separar para a carteira de gestão própria apenas uma parte de seu patrimônio, dinheiro que se for perdido não provocará abalos mais graves; conforme for ganhando experiência pode aumentar a fatia.


Fugir de operações mais complexas, como as do mercado de opções, que são bastante arriscadas para quem não está acostumado com o dia a dia do mercado.


Tomar cuidado com informações sedutoras da internet, com promessas de ganhos incríveis, rápidos e garantidos.


Buscar relatórios de análise que apresentem visões diferentes, de forma a impedir a confirmação de vieses (dados que reforçam crenças anteriores e não destacam problemas de algum investimento).


 


Recurso ao regulador


 


Caso tenha algum problema relacionado às operações, o trader individual pode recorrer à CVM para fazer reclamações —entram nesse tópico questões como ordens não executadas pela corretora. Se a queixa for pertinente, o órgão pode encaminhar um processo.


 


Mas é muito importante que o investidor saiba que a atuação da CVM não envolve ressarcimentos ou solução para exposição a riscos de mercado. "A função do regulador é garantir o bom funcionamento do mercado", declara Passaro.


 

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